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As sete idades do homem

Estimulado pela querida amiga, mestre de meus pequenos, Paula C. S. H. Levy, tenho me debruçado sobre o tema dos setênios no interregno de minhas atividades profissionais.

Como sabemos, a divisão setenal das idades é um ponto destacado na biografia humana e objeto de estudos no âmbito da Pedagogia Waldorf.

 

Seguindo as pistas indicadas por Valdemar Setzer [1] cheguei ao clássico poema de Sólon, o admirável homem de estado, poeta, legislador, que exerceu seu arcontado [2] entre os anos 594 a 593 AC, ele próprio alistado entre os Sete Sábios da antiguidade.

 

Sólon dedicou-se a expor, de modo poético [3] a divisão da vida útil do ser humano em períodos hebdomáticos sucessivos, isto é, em estágios de sete anos que cobririam toda a existência humana até seu desenlace.

 

A divisão hebdomática decorre de antiquíssimas tradições, calcadas em observações de homens sábios e religiosos que remontam às tenras idades da humanidade.

 

No decorrer dos meus estudos, pude pacientemente rastrear e consultar os textos que sobreviveram à noite dos tempos – como o próprio Sólon, Varro, Ambrósio Teodósio Macróbio, Próclus, Aulo Gélio, Censorino, Filón Alexandrino, Isidoro de Sevilha, passando, até, por D. Duarte, o Rei Eloquente, que assentou-se ao trono de Portugal entre os anos de 1433 a 1438 e nos legou o precioso Leal Conselheiro, texto de filosofia moral que se imaginava perdido e que foi redescoberto na Biblioteca Real de Paris em 1820 [4]. Em todos esses autores se encontram alusões às divisões septenárias das idades.

A seu tempo, e sendo possível, trarei a lume as traduções que livremente tenho empreendido de alguns desses autores que tanto me causam admiração e respeito.

Neste sábado chuvoso, quero deter-me no texto de Shakespeare, As you like it, em cuja peça há uma referência muito interessante às divisões etárias do homem [5]. Revela-nos o melancólico Jaques, o filósofo moral que acompanha o Duque Sênior na Floresta de Arden.

As You Like It
Jacques: O mundo todo é um palco – Ato 2, cena 7

All the world’s a stage, 

And all the men and women merely players: 

They have their exits and their entrances; 

And one man in his time plays many parts, 

His acts being seven ages. 

At first the infant,

Mewling and puking in the nurse’s arms. 

And then the whining school-boy, with his satchel

And shining morning face, creeping like snail

Unwillingly to school. 

And then the lover, 

Sighing like furnace, with a woeful ballad 

Made to his mistress’ eyebrow. 

Then a soldier, 

Full of strange oaths and bearded like the pard,

Jealous in honour, sudden and quick in quarrel,

Seeking the bubble reputation 

Even in the cannon’s mouth. 

And then the justice,

In fair round belly with good capon lined,

With eyes severe and beard of formal cut, 

Full of wise saws and modern instances;  

And so he plays his part. 

The sixth age shifts 

Into the lean and slipper’d pantaloon, 

With spectacles on nose and pouch on side, 

His youthful hose, well saved, a world too wide 

For his shrunk shank; and his big manly voice, 

Turning again toward childish treble, pipes 

And whistles in his sound. 

Last scene of all, 

That ends this strange eventful history, 

Is second childishness and mere oblivion, 

Sans teeth, sans eyes, sans taste, sans everything. 

O mundo todo é um palco, 

E todos – homens e mulheres – são meros atores: 

Eles têm suas entradas e saídas; 

O homem, em cena, interpreta vários papeis, 

Seus atos se cumprem em sete idades. 

Primeiro, o infante,

Choramingando e regurgitando nos braços da babá. 

Em seguida, ele é o estudante queixoso, com sua mochila

E um rosto jovem e brilhante, rastejando feito um caracol,

Contrariado, rumo à escola. 

E então o amante,

Resfolegando feito fornalha, com uma triste balada,

Feita para a sobrancelha de sua amante. 

Depois o soldado, 

Colecionando estranhos juramentos, barbado como um leopardo,

Zeloso em questões de honra, inopinado, ágil nas discussões,

Em busca de tênue reputação, 

Mesmo quando na boca de um canhão. 

Vem, então, o Juiz,

Barriga arredondada, fornida de boa comida, 

Com olhos severos e barba bem afeitada, 

Repleto de sábios aforismos e argumentos esmerados. 

E assim ele interpreta o seu papel. 

A sexta idade o introduz 

Um velho magro retirado de pijamas e recluso 

Com óculos no nariz e a bolsa do lado, 

Suas calças justas bem guardadas, o mundo é já demasiado amplo 

Para suas canelas enrijecidas; e sua grande voz masculina 

Torna-se outra vez o timbre agudo dos infantes

E sopra e chia. 

A última cena de todas, 

Que termina sua estranha e acidentada história, 

É a segunda infância e o mero esquecimento, 

Sem dentes, sem visão, sem gosto, sem coisa alguma.

[1] SETZER. Valdemar W. Meios eletrônicos e educação – uma visão alternativa. 3ª Ed. São Paulo: Escrituras, 2005, p. 96.

 

[2] Arconte – magistrado da antiga Grécia, originalmente investido no poder de legislar e depois de Sólon reduzido a executor das leis. V. FIGUEIREDO. Cândido. Grande dicionário da língua portuguesa. 25ª ed. Vo. I. Venda Nova: Bertrand, 1996, p. 257.

 

[3] Segundo TANNER, na antiga Grécia a poesia era o meio utilizado para veicular especulações filosóficas e científicas, além de queixas políticas e, é claro, de poesia. TANNER. J. M. A history of the study of human growth. Cambridge: Cambridge University Press, 1981, p. 1.

 

[4] O texto veio a lume em Portugal em 1843. Leal conselheiro e livro da ensinança de bem cavalgar toda sella, escritos pelo senhor Dom Duarte. Lisboa: Typographia Rollandiana, 1843, 118p.

 

[5] A peça terá sido escrita entre 1599 e 1606. Esta comédia revela passagens que se tornaram clássicas, um dos trabalhos mais maduros do dramaturgo inglês. Segundo TANNER (op. cit.), as referências imediatas de Shakespeare não são conhecidas, mas indica, baseado em autores ingleses, que possivelmente o bardo se fiou nas obras de Proclus, vertidas para o latim por Marsilio Ficino, e Isidoro de Sevilha.

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