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Psicologia sociológica dos buracos
Teatro, filosofia e religião - Revisitando Kurt Tucholsky [1]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Senhoras e Senhores. Queridos membros desta comunidade. Irmãos.

Tomei de empréstimo, como paráfrase, o subtítulo da série de palestras que Steiner proferiu na construção do Goetheanum, entre os dias 6 e 15 de setembro de 1922 [3].

 

A palavra desta tarde é: filosofia, tomada em seu radical senso etimológico: amor à sabedoria.

Segundo Steiner, a filosofia não se reduziria a um mero problema de cognição, intelecção e compreensão dos fenômenos sensíveis. Não! Na verdade, estaríamos diante de “uma questão da alma humana toda”. E a alma humana, como um todo, potencialmente pode conhecer tudo aquilo que o homem percebe com seus órgãos e sentidos ordinários, mas pode ir muito além, iluminando a ciência do mundo material e vitalizando, assim, o conhecimento humano.

Neste éon que se inaugura avançamos no sentido de desvelar, pelo “olho do espírito”[4], as realidades que transcendem o mundo sensório ordinário, abrindo as portas da percepção [5].

 

“Contemplações sem nome”

Rudolf Steiner aponta para os limites da linguagem em face dos objetos apreendidos pela consciência desperta. Nos fará uma clara advertência no prefácio d´A Ciência Oculta: com meros pensamentos não se pode expressar o que se revela à visão suprassensível como mundo do espírito. Segundo ele, “essa revelação não cabe num mero conteúdo intelectual. Quem conheceu, por experiência própria, a essência de tais revelações sabe que os pensamentos da consciência habitual são apropriados apenas para comunicar as percepções sensoriais, não para revelar o que se observa espiritualmente” [6].

 

Estamos diante de um problema fenomenológico, emparedados entre o mundo revelado, tal e como se apresenta aos nossos sentidos, e o oculto. As realidades apreendidas pela consciência ordinária, de certo modo reverberam como meros pensamentos. Já as “contemplações sem nome”, como Steiner as qualificava, são carentes de veículos de expressão.

 

Não há palavras para traduzi-las, pois a “gente-algo” – adiantando-me ao que se seguirá – “tem a sua própria língua”.

 

Deixemo-nos conduzir e enlevar pelas palavras do nosso biografado:

“Perdeu-se, no ser humano mesmo, aquilo que outrora fez da filosofia uma vivência real. A ciência sensorial é intermediada pelos sentidos e o que o intelecto pensa sobre as observações, isto é resumo do conteúdo intermediado pelos sentidos. Esse pensar não possui nenhum conteúdo próprio. Enquanto o ser humano viver em tal conhecimento, ele conhece a si mesmo somente como corpo físico”[7].

 

A Sociologia Filosófica do Buraco

Senhoras e Senhores. A chave interpretativa para o pequeno entreato é esta: além dos limites da nossa linguagem há um universo de “contemplações sem nome” que somente podem ser apropriadas “etericamente” pela consciência desperta.

 

O nosso conhecimento foi feito pela “gente-algo”; a “gente-buraco” tem a sua própria linguagem.

“Ein Loch ist da, wo etwas nicht ist”.

Eu os convido a uma pequena reflexão acerca dos limites de nosso conhecimento por intermédio de um opúsculo satírico, escrito por Kurt Tucholsky. Ele foi jornalista, satirista, escritor e apresentava suas obras em cabarés na Berlim da República de Weimar. Ele nos conduz a um jogo lúdico com os paradoxos do mundo revelado (apropriados pela “gente-coisa”) em oposição ao oculto, (a “gente-buraco”).

Tucholsky faz o contraste entre o material e o imaterial, o senso comum e o incomum, o cognoscível e o incognoscível. Neste pequeno texto, assinou-se como Kaspar Hauser.

 

É um texto realmente provocativo e delicioso.  

 

Desejo aos queridos irmãos um bom espetáculo!

Notas

 

[1] Trabalho sobre a biografia de Rudolf Steiner apresentada no ciclo de palestras do Curso Altruísmo da ADIGO em junho de 2019. Foi utilizado na apresentação o texto de Kurt Tucholsky – Para a psicologia sociológica dos buracos [Zur soziologischen Psychologie der Löcher]. Grupo KLTS. Kátia Plácido, Letícia Geraldes Martins, Tânia Mara Corrêa de Andrade Jacomino, Sérgio Jacomino. Adaptação e direção: Sérgio Oliveira. Foi utilizada a tradução de Márcio Suzuki. Original aqui: HAUSER, K. Die Weltbühne, 17.03.1931, Nr. 11, S. 389, acesso: https://www.textlog.de/tucholsky-psychologie-1931.html.

 

[2] Esta é a epígrafe da obra de Kurt Tucholsky - Zur soziologischen Psychologie der Löcher. Original: Daß die wichtigsten Dinge durch Röhren gethan werden. Beweise: erstlich die Zeugungsglieder, die Schreibfeder und unser Schießgewehr.

 

[3] La Philosophie, la Cosmologie et la Religion, comme parties de l´Anthroposophie. Os textos, escritos originalmente em francês, foram disponibilizados em 1930 por Marie Steiner (Das Goetheanum, 6-16, 10 e 19 de novembro de 1930. O quadro é de Eva Švankmajerová. The making of a hole, 1987, pastel.

 

[4] Geitesauge. V. BACH Jr. Jonas. Fenomenologia de Goethe e Educação: a filosofia da educação de Steiner. Curitiba: Lohengrin, 2017.

 

[5] “If the doors of perception were cleansed every thing would appear to man as it is, Infinite. For man has closed himself up, till he sees all things thro' narrow chinks of his cavern”. BLAKE. William. The Marriage of Heaven and Hell.

 

[6] V. prefácio à 16ª edição. STEINER. R. A Ciência Oculta. 6ª ed. São Paulo: Antroposófica, 2006, p. 25.

 

[7] STEINER. R. Três passos da Antroposofia. Filosofia – cosmologia – religião. Trad. BACH Jr. Jonas. Curitiba: Lohengrin, 2019, p. 13.

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"As coisas mais importantes são feitas através de tubos. Prova-o: genitais, canetas e armas”. Lichtenber [2].
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